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Wadada Leo Smith
Spiritual Dimensions
2CD
Cuneiform 2009

 

 

Se há algo de que Wadada Leo Smith não pode ser acusado é de falta de coerência. Membro fundador do Association for the Advancement of Creative Musicians (AACM), no final dos anos 60, Leo Smith evidencia-se pela persistência e militância numa forma que o tempo deixou para trás. O free-jazz já não existe como corrente de vanguarda no Jazz e historicamente ele é tão actual como o bebop e (como ele) possui características que justificam a sua persistência e descendência, mesmo se ele não é um movimento "técnico" como de certa forma o bebop tende a ser por vezes entendido. O free-jazz está (esteve) longe de ser um movimento homogéneo. Pelo contrário, ele possui mais de características centrífugas quanto centrípetas, o que originou uma real fragmentação estética que revolucionou o Jazz abrindo-lhe horizontes insuspeitados, mas ao mesmo tempo abriu também portas a um sem fim de equívocos e até leviandade, para utilizarmos um termo menos pejorativo: suspeitava-se que muitos dos que se reivindicavam da liberdade do free-jazz não aguentavam dez minutos sujeitos à disciplina e ao rigor de numa orquestra de Jazz mediana, e a suposta liberdade criativa apenas serviria para esconder as debilidades próprias, até como executantes.
Neste oceano de incertezas se destaca Wadada Leo Smith pela consistência na aventura que perdura desde o final dos anos 60: intelectual e teórico do free, ele possui uma extensa e sólida obra que impede equívocos, onde uma sonoridade (como trompetista) rude e espacial, combina o rigor e a erudição de Anthony Braxton com a força subversiva de Don Cherry e o misticismo e a religiosidade de Coltrane.
Spiritual Dimensions é o mais ambicioso trabalho de Wadada Leo Smith de há muito tempo. Dois discos, duas formações e dois projectos diferentes: um primeiro do Golden Quintet, na continuidade do quarteto, aqui acrescido de uma segunda bateria de Don Moye, e que já teve DeJohnette, Anthony Davis ou Malachi Favors, e um segundo, o Organic, bastante mais conceptual, um octeto-noneto dominado pelas cordas.
O misticismo está representado no primeiro disco em "Al-Shadhili’s Litany" (referência à ordem islâmica Sufi), bem como duas outras referências maiores em Leo Smith: Cecil Taylor, corporizado pelo piano do impetuoso Vijay Iyer e o Miles Davis eléctrico, em "South Central L.A. Kulture", que faz a ponte para o segundo disco. Com três (ou quatro, em dois temas) guitarras eléctricas, cello e dois baixos, Miles Davis retorna em "South Central", prosseguindo no politizado "Angela Davis" e "Organic", para apenas abrandar no mais contemplativo "Joy: Spiritual Fire: Joy", onde parece assomar o Jazz-pop da Mahavishnu de John McLaughlin.
Apesar do aparente excesso de referências, não se entenda o Spiritual Dimensions como um emaranhado de pastiches, e eu preferiria apelidar as referências de descendências, até pela forma inteligente e assertiva como as utiliza. Uma liderança eficaz e um grupo de músicos acima de qualquer suspeita fazem deste um excelente exemplo da pertinácia e da razão do free-jazz.

 

CD 1 – Golden Quintet
Wadada Leo Smith (t)
Vijay Iyer (p, sint)
John Lindberg (ctb)
Pheeroan AkLaff (bat)
Don Moye (bateria

CD2 – Organic
Wadada Leo Smith (t)
Nels Cline (g)
Michael Gregory (g)
Brandon Ross (g)
Lamar Smith (g)
Okkyung Lee (celo)
John Lindberg (ctb)
Skuli Sverrisson (b-el)
Pheeroan AkLaff (bat)

(Este texto foi publicado em Jazz 6/4 #7)